PROBLEMA: Uma instituição financeira aplica descontos excessivos diretamente na folha de pagamento dos clientes em acordos de crédito consignado.

SOLUÇÃO: O cliente pode definir um limite para a porcentagem de descontos aplicados.

Antes de tudo, é essencial destacar que a Súmula 603 foi elaborada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) durante a sessão de 22 de fevereiro de 2018 e posteriormente publicada no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) em 26 de fevereiro do mesmo ano. O conteúdo da súmula estabelece que os bancos não podem reter qualquer parte dos salários, vencimentos ou proventos dos correntistas para quitar empréstimos comuns, mesmo que haja cláusula contratual permitindo isso. A única exceção se aplica a empréstimos consignados, que possuem regulamentação específica e permitem o desconto direto na folha de pagamento dentro de determinados limites.

Após o julgamento do Recurso Especial nº 1.555.722/SP, a Segunda Seção do STJ decidiu, em sessão realizada em 22 de agosto de 2018—seis meses após a edição da súmula—pelo seu cancelamento. A principal razão para essa decisão foi a interpretação equivocada que juízes e tribunais vinham dando ao enunciado, conforme destacado pelo Ministro Luis Felipe Salomão. Ele ressaltou que a análise do caso concreto permitiria uma avaliação mais precisa do colegiado, especialmente porque a interpretação dada à Súmula 603/STJ não estava fundamentada no conjunto de precedentes que a originou.

No entanto, a revogação da súmula não significa que qualquer interpretação contrária à sua redação seja automaticamente válida. Uma das críticas direcionadas à Segunda Seção do STJ foi a falta de iniciativa para reformular o enunciado em vez de simplesmente cancelá-lo.

Com o crescimento da sociedade de consumo, o mercado de crédito bancário também passou por transformações. Atualmente, as instituições financeiras oferecem contratos padronizados, caracterizados por serem abstratos, uniformes e rígidos, enquadrando-se na categoria de contratos de adesão, que podem ser verbais ou escritos. É comum que esses acordos sejam firmados verbalmente, geralmente por telefone, ou por meio de plataformas digitais, como internet banking ou caixas eletrônicos, dentro e fora das agências bancárias. Vale destacar que a Súmula 297 do STJ estabelece de forma clara que as normas do Código de Defesa do Consumidor se aplicam às instituições financeiras.

Muitas pessoas já passaram por situações em que, ao ver uma promoção, acabam comprando um produto mesmo sem necessidade. Em outros casos, alguém que ganha pouco pode precisar urgentemente de dinheiro para uma reforma ou despesas médicas. Seja por consumismo ou por necessidade, essas situações frequentemente levam ao endividamento, e a solução encontrada é recorrer a um empréstimo pessoal, com parcelas de longo prazo para suprir a demanda financeira.

Diante desse cenário, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o desconto de parcelas de empréstimos em conta-corrente deve ser limitado a 30% da renda líquida do devedor, em respeito ao princípio da dignidade humana. O caso específico envolveu um empréstimo de R$ 122 mil e um acordo de renegociação na modalidade consignado, com desconto de R$ 1.697,35 em 72 parcelas mensais diretamente na conta do correntista. Como o valor da prestação ultrapassava a aposentadoria do devedor, fixada em R$ 1.673,91, o julgamento determinou que os descontos não poderiam exceder 30% dos proventos líquidos, excluindo tributos e contribuições previdenciárias.

O banco contestou a decisão, alegando que a cláusula que permitia os descontos era irrevogável e pedindo o restabelecimento dos descontos conforme pactuado ou, alternativamente, limitando-os a 50% da remuneração bruta. No entanto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino negou o pedido, argumentando que conceder a solicitação do banco violaria a dignidade da pessoa humana. Ele também associou o caso ao problema do superendividamento, um fenômeno global que decorre da facilidade de acesso ao crédito nos tempos atuais.

Sanseverino apontou que o Brasil carece de uma legislação específica para proteger consumidores endividados, citando o Projeto de Lei 3.515/2015, que propõe medidas judiciais para garantir um mínimo existencial ao devedor. Ele destacou que, sem essa regulamentação, o Judiciário tem sido o único recurso disponível para muitos consumidores e que cabe aos tribunais controlar contratos de empréstimos, evitando abusos por parte das instituições financeiras, especialmente em operações de crédito consignado.

Por unanimidade, a 3ª Turma do STJ concluiu que o desconto aplicado era excessivo, colocando em risco a subsistência do consumidor e de sua família. Com isso, determinou que os débitos deveriam ser limitados a 30% da renda líquida do correntista, garantindo que ele possa preservar sua sobrevivência e cumprir suas obrigações financeiras sem comprometimento total de sua remuneração.

Uma interpretação superficial da súmula cancelada poderia levar à conclusão de que qualquer desconto aplicado pelas instituições financeiras sobre os salários, vencimentos ou proventos dos correntistas seria ilegal, salvo os empréstimos consignados em folha de pagamento, regulados pela Lei nº 10.820/2003. Essa lei estabelece regras para a retenção de parcelas diretamente na folha de pagamento, protegendo os trabalhadores da CLT contra abusos que poderiam comprometer suas necessidades básicas. O limite máximo permitido para esses descontos é de 30%, conhecido como “reserva de margem consignável.”

É importante lembrar que o Decreto Estadual nº 51.314/2006, de São Paulo, previa a possibilidade de retenção salarial de até 50%. No entanto, esse percentual foi reduzido em decretos posteriores, como os de nº 60.435/2014 e 61.470/2014, culminando no Decreto nº 61.750/2015, que fixou o novo teto de 35% para servidores públicos estaduais, civis e militares.

Um caso específico envolveu um policial militar aposentado do Estado de Goiás, que enfrentava dificuldades financeiras devido aos altos descontos em seu salário por conta de empréstimos consignados. Apesar de ter um salário bruto de R$ 11.234,27, seu rendimento líquido era de apenas R$ 2.491,39, insuficiente para garantir a subsistência familiar. Seu advogado, Rogério Rodrigues, ressaltou que tanto a Constituição Federal quanto a Lei Estadual nº 16.898/2010 garantem que os descontos em folha de pagamento não devem ultrapassar 30% da remuneração, protegendo o consumidor contra endividamento excessivo.

Ao analisar o caso, o desembargador Itamar de Lima, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, destacou que, embora o aposentado tenha contraído dívidas em três bancos (Caixa Econômica Federal, Banco Olé Bonsucesso e Banco BRB), cabe às instituições financeiras adotarem medidas para garantir o pagamento sem comprometer a subsistência do devedor. O objetivo do aposentado, segundo a decisão, não era deixar de pagar suas dívidas, mas sim ajustá-las à sua realidade financeira, evitando que os descontos inviabilizassem sua sobrevivência.

Apesar das diversas soluções propostas pela doutrina jurídica, a jurisprudência ainda demonstra resistência em relação ao superendividamento. Como não há uma legislação específica para tratar do problema—já que o Projeto de Lei 3.515/2015 ainda não foi aprovado—os consumidores continuam à mercê das decisões das instituições financeiras.

Por outro lado, quando as parcelas dos empréstimos são retidas diretamente na conta-salário, conforme previsto na Lei nº 10.820/2003, é fundamental respeitar o limite de 30% do salário do mutuário. Além disso, valores essenciais para subsistência, como salários, vencimentos, subsídios e remunerações, são considerados impenhoráveis, conforme estabelecido no artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal, e no artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, exceto nos casos de pagamento de pensão alimentícia. A ministra Nancy Andrighi reforçou esse entendimento no julgamento do recurso especial nº 1.021.578/SP, afirmando que, se nem mesmo o Judiciário pode penhorar salários, então instituições privadas também não estão autorizadas a fazê-lo. Segundo ela, a retenção integral do salário para quitar débitos bancários pode configurar dano moral.

Com isso, o julgamento do recurso especial nº 1.555.722, que resultou no cancelamento da Súmula 603 do STJ, trouxe uma nova interpretação sobre a questão. Essa mudança permitiu que fossem feitos descontos excessivos diretamente na conta corrente dos consumidores, sob o argumento equivocado da autonomia de vontade ao assinar contratos de adesão. Muitas vezes, os mutuários acabam contratando esses empréstimos em situações de extrema necessidade, sem informações claras e transparentes por parte dos bancos.

João Neto

Advogado

contato@jnjur.com.br

www.jnjur.com.br

FONTES:

conteudojuridico.com.br

jus.com.br

jusbrasil.com.br

conjur.com.br

migalhas.com.br

farelosjuridicos.com.br

rotajuridica.com.br

 

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog