PROBLEMA: Engano cometido durante a contratação, utilizando o nome do consumidor.

 

SOLUÇÃO: A fornecedora tem responsabilidade objetiva, pois esse risco é intrínseco à sua atividade.

Com o avanço dos meios de comunicação de massa, especialmente com o surgimento da internet, houve uma transformação significativa na maneira como as pessoas interagem, impactando diretamente as relações contratuais. Novos formatos de contrato surgiram para atender a um número crescente de consumidores em um curto período. Um exemplo disso é a aquisição de produtos ou serviços por telefone ou internet, onde o consumidor, ao acessar o ambiente virtual do fornecedor, pode concluir a compra com um simples clique. A partir desse momento, o contrato entre as partes se estabelece plenamente, garantindo direitos e obrigações.

Entretanto, a praticidade desse modelo também criou um cenário propício para fraudes. O uso de ferramentas rápidas e acessíveis para realizar compras sem a necessidade de presença física ou assinatura formal facilita golpes. Terceiros mal-intencionados, ao utilizar dados pessoais de outra pessoa sem sua autorização, conseguem adquirir produtos ou serviços em nome da vítima. Como resultado, essa pessoa acaba arcando com débitos gerados de maneira fraudulenta, enfrentando problemas como cobranças judiciais ou extrajudiciais e até mesmo a inclusão de seu nome em cadastros de restrição de crédito.

Para que um negócio jurídico seja válido e cumpra sua finalidade, ele deve seguir determinadas formalidades e requisitos. Se esses aspectos forem ignorados, o negócio pode ser considerado inválido. No caso de fraude envolvendo o uso indevido de nome ou dados pessoais por terceiros, há um vício essencial no negócio jurídico: a ausência de manifestação de vontade. Como todos os atos foram conduzidos por meio de uma ação fraudulenta de um falsário, o titular da suposta contratação não consentiu e sequer teve conhecimento do contrato, caracterizando um claro vício de consentimento.

Diante desse contexto, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor é plenamente justificável, especialmente em questões recorrentes na Justiça envolvendo instituições financeiras. Isso significa que cabe à empresa comprovar que a contratação foi legítima. Com esse entendimento, a juíza Danisa de Oliveira Monte Malvezzi, da 28ª Vara Cível de São Paulo, determinou que o banco Panamericano deveria restituir e indenizar um aposentado. O autor da ação alegou que o banco descontava mensalmente R$ 456,36 de seu benefício previdenciário, totalizando R$ 43.810,56, referentes a um empréstimo consignado que ele nunca solicitou.

Embora o banco tenha contestado, alegando que a contratação foi realizada de forma regular e com o consentimento do requerente, a juíza considerou que, segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), cabia à instituição financeira comprovar a legitimidade da contratação. Como a empresa apenas anexou o contrato ao processo, sem fornecer provas concretas de que a assinatura pertencia ao autor, a condenação foi mantida.

Diante do impacto financeiro gerado pelo desconto do empréstimo em relação ao benefício recebido pelo autor, é altamente plausível que a contratação tenha ocorrido por meio de fraude cometida por terceiros. Isso evidencia a responsabilidade da instituição financeira, considerando a falta de segurança nos serviços prestados. Com essa fundamentação, a juíza concedeu parcialmente o pedido do autor, fixando a indenização por danos morais em R$ 10 mil e determinando a restituição simples do valor descontado, permitindo que o banco subtraísse os R$ 4.242,59 que haviam sido creditados na conta do autor como parte do empréstimo.

No contexto analisado, fica evidente a relação de consumo existente entre o contratante e a prestadora de serviços, mesmo que a contratação tenha sido feita por um fraudador. Dessa forma, as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) são plenamente aplicáveis, pois o suposto contratante se enquadra como consumidor final dos serviços prestados pela operadora de telefonia. Conforme o artigo 14, caput, do CDC, o fornecedor responde objetivamente, ou seja, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados aos consumidores em razão de falhas na prestação do serviço ou pela falta de informações adequadas sobre sua utilização e seus riscos. Isso reforça a obrigação da operadora de ressarcir os prejuízos enfrentados pelo consumidor.

Sobre a responsabilidade objetiva, quando não há fatores que excluam o nexo causal, a análise da culpa do fornecedor torna-se irrelevante. Cabe ao consumidor apenas demonstrar que houve dano e que este decorre diretamente da conduta adotada pelo prestador do serviço. Assim, a possibilidade de contratação verbal de uma linha telefônica sem as precauções exigidas pela legislação vigente sobre negócios jurídicos expõe a falta de cautela por parte da operadora. Esse descuido, essencial em contratos que envolvem obrigações significativas e custos elevados, facilita a ocorrência de fraudes.

Diante disso, fica claro que a responsabilidade pelos danos causados por contratações fraudulentas recai sobre a prestadora de serviços, inclusive operadoras de telefonia, ainda que tenham sido induzidas em erro por fraudadores. Esses criminosos conseguem utilizar de forma ardilosa o nome e os dados pessoais do consumidor de boa-fé. A conduta da empresa, especialmente a ausência de precaução na celebração do contrato — refletida na falta de formalização por escrito e na não exigência do reconhecimento da assinatura do contratante — impõe o dever de indenizar.

O furto de identidade não se resume apenas à posse física de documentos de identificação de outra pessoa. Além disso, envolve casos em que um indivíduo se apropria dos dados pessoais de alguém sem seu conhecimento para contratar produtos ou serviços, fingindo ser a vítima. Nessa situação, a pessoa fraudadora utiliza os dados do titular para efetivar contratos, fazendo com que a vítima assuma os encargos financeiros sem sequer saber da existência da contratação. Em geral, o indivíduo lesado só percebe que seus dados foram usados indevidamente ao receber cobranças de dívidas ou ao descobrir que seu nome foi incluído em cadastros de restrição de crédito. A partir desse momento, começa um ciclo de dificuldades para o consumidor, pois as empresas envolvidas frequentemente se recusam a reconhecer que houve fraude e tratam a vítima como alguém tentando se esquivar de suas obrigações contratuais. Muitas dessas empresas sequer adotam cuidados mínimos para verificar a autenticidade das informações quando o contrato é firmado.

É plenamente justificável responsabilizar uma empresa de telefonia pela inclusão indevida de um consumidor em cadastros de proteção ao crédito quando a contratação do serviço ocorreu de forma fraudulenta. Nesse sentido, entende-se que a fraude faz parte dos riscos inerentes à atividade empresarial, sem excluir a responsabilidade dos prestadores de serviço. Cabe a eles implementar medidas preventivas para reduzir esses riscos. Essa foi a conclusão da Segunda Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça (TJ), que, por unanimidade, confirmou a condenação de uma operadora de telefonia por danos morais, aumentando a indenização de R$ 15 mil para R$ 25 mil.

O contrato fraudulento havia sido firmado por um terceiro, e a empresa alegou que não poderia ser responsabilizada por atos ilícitos cometidos por falsários. No entanto, o desembargador relator, Sebastião César Evangelista, argumentou que a cobrança indevida de alguém que não contratou o serviço decorre da negligência da própria empresa. Ele destacou que é responsabilidade do fornecedor desenvolver um sistema de gestão eficiente para proteger seus clientes de riscos como erros cadastrais e cobranças indevidas. Esses problemas podem surgir tanto por desorganização interna quanto por fraudes cometidas por terceiros com o uso de documentos falsificados.

A jurisprudência consolidada em casos envolvendo empresas de telefonia e instituições financeiras aponta que a fraude é um risco da atividade, mas não exclui a responsabilidade civil do prestador de serviço. Assim, cabe às empresas tomar medidas preventivas para minimizar a ocorrência de fraudes. Como não ficou comprovada a culpa exclusiva do fraudador, foi mantida a decisão que reconhece a inexistência de relação negocial entre as partes. A empresa, por não ter apresentado provas que justificassem a cobrança, foi responsabilizada pela inclusão indevida do nome do autor no cadastro de inadimplentes.

Ao definir o montante da indenização, o desembargador Sebastião Evangelista considerou fatores como a conduta da empresa, seu porte econômico e os danos sofridos pela vítima. Além disso, destacou o caráter pedagógico da indenização, tanto como forma de compensação quanto como medida preventiva contra futuras atitudes de descaso e desrespeito aos consumidores. Com base nesses critérios, o valor da condenação foi elevado de R$ 15 mil para R$ 25 mil. O julgamento também contou com a participação dos desembargadores Newton Trisotto, que presidiu a sessão, e João Batista Góes Ulysséa.

A jurisprudência nacional ainda não tem atribuído ao dano moral decorrente do furto de identidade a relevância que o tema exige. A negligência das empresas em implementar mecanismos eficazes de prevenção tem contribuído para a crescente recorrência desses casos na Justiça. Com isso, observa-se uma tendência de fixação de valores indenizatórios dentro de certos padrões. Diante desse cenário, é essencial que as indenizações determinadas pelo Judiciário nesses casos sejam significativas, de modo a incentivar fornecedores de bens e serviços a adotarem sistemas de segurança mais eficientes em suas contratações.

João Neto

Advogado

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FONTES:

jus.com.br

phmp.com.br

migalhas.com.br

conjur.com.br

juscatarina.com.br

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