PROBLEMA: A companhia de seguros se nega a realizar o pagamento das indenizações ao segurado.

 

O Poder Judiciário ordena que a seguradora honre o compromisso estabelecido com o segurado

A seguradora só pode se eximir de pagar a indenização por morte caso o segurado omita uma doença preexistente no momento de firmar o contrato e se a morte ocorrer diretamente em razão dessa condição. Se a causa principal da morte for diferente, mesmo que a doença preexistente tenha contribuído ao enfraquecer a saúde do segurado, o pagamento da indenização ainda será obrigatório. Com base nesse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu o pedido de uma recorrente do Rio Grande do Sul, beneficiária de um seguro de vida contratado com a União Novo Hamburgo Seguros, e reformou a decisão de instâncias inferiores que haviam negado o pagamento ao alegar má-fé do segurado.

O contrato foi firmado em 1999, e o segurado faleceu em 2000 devido a insuficiência respiratória, embolia pulmonar e infecção respiratória, consequências de um acidente que resultou na fratura de seu fêmur. A Justiça gaúcha havia considerado que o segurado agiu de má-fé ao omitir, no ato da contratação, que possuía uma doença hepática crônica diagnosticada em 1997, motivo pelo qual negou a indenização. Inconformada, a beneficiária recorreu ao STJ, argumentando que a decisão contrariava o entendimento consolidado pela corte, segundo o qual não há má-fé comprovada se a seguradora não exigiu exames médicos para verificar o real estado de saúde do segurado antes do contrato.

Conforme a ministra Isabel Gallotti destacou, a exclusão da cobertura de seguro só seria válida se a hepatopatia crônica fosse a causa direta da morte do segurado, o que não ocorreu. A fratura no fêmur, que resultou na internação e desencadeou complicações como embolia pulmonar e insuficiência respiratória, não tinha ligação direta com a doença hepática. Esta, na verdade, apenas enfraqueceu a saúde do segurado, contribuindo indiretamente para o óbito. A ministra ainda ressaltou que permitir que a seguradora aceitasse o contrato sem exigir exames médicos, recebesse os pagamentos mensais e negasse a cobertura devido a uma causa indireta violaria o princípio de enriquecimento ilícito.

Além disso, ela observou que esse raciocínio levaria à exclusão de quase todos os sinistros, exceto aqueles com morte imediata, já que doenças preexistentes podem influenciar indiretamente em qualquer tratamento. Assim, a ministra concluiu que a seguradora não pode se eximir de sua obrigação de pagamento, mesmo quando uma condição preexistente tenha contribuído indiretamente para o falecimento.

Em situações como essa, a recusa ao pagamento de seguros de vida é ainda mais impactante para os familiares, que já enfrentam a dor da perda de um ente querido. Em muitos casos, as seguradoras rejeitam a indenização alegando omissão de doenças preexistentes, mas sem apresentar provas concretas de má-fé ou documentos que sustentem tal argumento. Por isso, é essencial que os beneficiários estejam cientes de que somente uma comprovação clara de intenção deliberada em prejudicar a seguradora pode justificar a recusa ao pagamento do seguro.

Dada a relevância social do seguro de vida e a obrigação das seguradoras em honrar os contratos, os Tribunais têm adotado uma postura rigorosa diante de recusas indevidas. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou essa posição ao publicar a Súmula 609, que estabelece que a recusa de cobertura alegando doença preexistente é ilícita caso a seguradora não tenha exigido exames médicos antes da contratação ou não consiga comprovar a má-fé do segurado.

Com base nessa súmula, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que uma seguradora deveria cumprir a obrigação de pagar uma indenização. No caso, a empresa alegou má-fé do segurado por omissão de uma condição preexistente, mas o relator, desembargador Roberto Mac Cracken, destacou que cabia à seguradora requisitar exames médicos antes de firmar o contrato. Como a seguradora não tomou essa precaução, não poderia agora se eximir de sua obrigação.

O desembargador afirmou que a seguradora tentou imputar má-fé ao segurado, quando na verdade optou por não exigir exames médicos para agilizar e aumentar as contratações. Dessa forma, determinou-se o cumprimento da obrigação firmada em sentença anterior, já que não foi provada a má-fé do segurado.

Ainda, a 12ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP rejeitou o recurso de outra seguradora que negou pagamento aos beneficiários de três apólices sob a justificativa de omissão de doença preexistente. O Tribunal destacou que, ao não condicionar os contratos a exames prévios, a seguradora assumiu o risco, tornando a negativa de cobertura contrária ao princípio da boa-fé objetiva. A decisão reafirma que seguradoras têm a responsabilidade de agir com transparência e justiça, especialmente em casos de extrema necessidade para os beneficiários.

Em um dos casos apresentados, o segurado, portador de diabetes mellitus tipo 1 desde a adolescência, não declarou a doença ao contratar o seguro de vida. No entanto, a Justiça concluiu que ele não agiu de má-fé, destacando que viveu uma vida ativa e plena até falecer, aos 60 anos, por um infarto. O juiz de 1º grau também observou que a diabetes, embora registrada no óbito, não gerou complicações significativas nem impediu o segurado de exercer suas atividades profissionais regularmente. Assim, concluiu-se que o segurado atuou de boa-fé ao declarar estar saudável, não sendo aplicável a cláusula do contrato que previa negativa de cobertura.

Em outro julgamento, a 26ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP analisou um caso de negativa de cobertura por diagnóstico de câncer de colo de útero durante o período de carência de 180 dias de um seguro de vida. Apesar de a cláusula de carência não ser considerada abusiva em si, o Tribunal avaliou que, para um contrato com duração de um ano, o prazo de 180 dias era desproporcional e não havia sido redigido de forma clara e destacada. Além disso, a segurada cumpriu suas obrigações durante todo o período de carência. A câmara concluiu que negar a cobertura seria injusto e condenou a seguradora a pagar R$ 100 mil à beneficiária.

Esses casos ressaltam a importância de observarem-se princípios como a boa-fé objetiva e a razoabilidade nos contratos de seguro, garantindo proteção efetiva aos consumidores.

João Neto

Advogado

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FONTES:

migalhas.com.br

g1.globo.com

conjur.com.br

jus.com.br




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